Mar Inquieto – Um Singelo Romance na Ilha de Utajima
Oi gente, tudo bem? Após uma viagem pela Noruega, atracamos em Utajima, uma pequena ilha no litoral do Japão. É nesse lugar paradisíaco que vamos conhecer os jovens Shinji e Hatsue. Mar inquieto, de Yukio Mishima, é uma daquelas histórias que deixam o coração quentinho.
O que mais me motiva a ler, sem dúvida, é o aprendizado que cada livro proporciona. Desde palavras estranhas, costumes diferentes, e lugares que jamais sonhei existir. Quanto mais amadurecemos, mais interessante se torna essa experiência. Atenção aos pequenos detalhes pode mudar completamente nossa perspectiva.
Quando li a sinopse de Mar inquieto, confesso que criei uma imagem do que seria a história. No entanto, fui surpreendida da melhor maneira. O livro é de 1954, então já podemos esperar por uma escrita mais rebuscada, expressões desconhecidas, e muitos fatos históricos principalmente pelo momento que o Japão estava vivendo, o pós-guerra.
Uma pequena ilha no litoral do Japão
Em Mar inquieto vamos acompanhar os desafios de dois adolescentes, Shinji e Hatsue, para ficarem juntos. Shinji é filho de mãe viúva, ajuda com as despesas da casa e tem um irmão mais novo de 10 anos. Hatsue, por outro lado, é a filha mais nova do senhor Terukichi Miyata um dos homens mais ricos da pequena ilha. No entanto, o rapaz cotado para ser o futuro marido é o jovem, e nada confiável Yasuo. Para tornar essa história um pouco mais complicada conheceremos a jovem Chiyoko, filha do velho faroleiro, que é apaixonada por Shinji.
“O santuário Yashiro é dedicado ao Watatsumi-no-Mikoto. A fé nessa divindade dos mares nasceu espontaneamente no dia a dia dos pescadores, que sempre rezavam a ela implorando mar sereno e pagavam tributo ao santuário antes de qualquer outra coisa, ao escapar de um naufrágio.”
Shinji trabalha num pequeno barco pesqueiro. Todas as manhãs sai com seu chefe e mais um rapaz para pescar e trazer sustento à sua família. Desde que seu pai faleceu devido a um ataque do exército inimigo ele é o provedor da família. Um dia, voltando para casa após uma jornada cansativa, vê uma linda jovem sentada na areia perdida em seus pensamentos. Shinji pára, observa, mas a menina parece não notar sua presença. Então segue seu caminho.
Shinji, o personagem que ganhou meu coração
Shinji, além de ser trabalhador, cuidar da família, é um rapaz muito correto. Sempre que volta do mar ou enfrenta grandes desafios, vai ao templo para agradecer aos deuses por preservar sua vida. O jovem de aparência tranquila é muito grato ao senhor faroleiro por tê-lo ajudado na infância e sente ter uma dívida de gratidão. Sua mãe o admira muito e é grata por ter um filho tão bom e dedicado.
“O mundo assumia de súbito uma vastidão nunca imaginada e vinha a seu encontro. Shinji percebia esse mundo futuro como um trovão longínquo, cujo ribombo lhe chegava de longe e logo silenciava.”
Um dia, voltando para casa, encontra uma garota chorando, é Hatsue. Por não conhecer a ilha, a menina se perdeu e não sabe como chegar ao farol. Shinji muito solícito logo se oferece para guiá-la. E assim inicia uma pequena amizade ou amor. O jovem nunca vira uma menina mais bonita e fica encantado com seu jeito.
Amor à primeira vista
Num outro dia, após o trabalho, caminhando pela praia Shinji vê um grupo de mulheres tentando tirar um barco do mar, mas sem sucesso. Mesmo cansado ele pára para ajudar. Ao se aproximar percebe que entre as mulheres está Hatsue, aprendiz de mergulho. Após todo o esforço Shinji não percebe que o envelope contendo seu pagamento caiu na areia da praia. Porém, ao chegar em casa e buscar pelo dinheiro para entregá-lo à sua mãe, se dá conta de que o perdeu. O que o faz voltar correndo à praia. Mas não encontra o envelope.
“Ele era capaz de identificar um forasteiro ao primeiro olhar. A garota, porém, não se vestia como uma forasteira. O único detalhe que a diferenciava das agitadas meninas da ilha era esse olhar cismarento que, sozinha, lançava na direção do oceano.”
Triste com o ocorrido não percebe a presença de Hatsue. A menina, toda sorridente, lhe confessa que encontrou o envelope e entregou à sua mãe, ele já pode ficar tranquilo. Após o susto, Shinji senta na areia e agradece. Os dois ficam sentados lado a lado admirando as ondas e o som do mar. Movidos pela euforia os jovens se beijam. O primeiro beijo é salgado o que lembra a água do mar. Eles combinam de se encontrarem de novo, dessa vez na construção abandonada onde se viram a primeira vez.
Tempestade, um amor, e dois corações separados
No dia em questão, cai uma forte chuva e o garoto é o primeiro a chegar. Muito tempo depois Hatsue chega toda ensopada. Os dois ficam em volta da fogueira para se aquecer enquanto lá fora a chuva não dá trégua. Eles conversam, juram amor um ao outro, e na calada da noite voltam para casa. No entanto, nem imaginam que Chiyoko estava na janela. Logo pela manhã ela vai à casa de Yasuo e conta tudo a ele. E assim, os jovens apaixonados caem nas más línguas do pequeno vilarejo. O que motiva o velho Terukichi manter a filha enclausurada.
Sem conseguir sobreviver à ausência do amado, Hatsue tem a ideia de enviar-lhe cartas quase todos os dias. E assim, Shinji sente seu amor ganhar força. Porém, essa troca de cartas chega ao fim quando o pai da moça descobre que eles planejam se encontrar de madrugada. Quem comemora os últimos acontecimentos é Yasuo, ele sente que em breve se casará e se tornará herdeiro de todo o dinheiro do velho Terukichi.
“Shinji não era do tipo que gosta de absorver-se em pensamentos, mas esse único nome não cessava de perturbar-lhe o espírito e constituía um sério problema para ele. Só de ouvi-lo, as faces se abrasavam e o coração disparava.”
Alguns meses depois, Yasuo e Shinji são convocados a trabalhar no navio cargueiro de Terukichi. Enquanto Shinji percebe uma oportunidade de se recuperar da tristeza de estar longe de Hatsue, Yasuo faz de tudo para não ir. Como alguém como ele trabalharia num navio? Ele é inteligente, vem de uma boa família, e será herdeiro, não precisa se esforçar. Dois meses em alto mar serão capazes de mudar esses jovens? O que a vida tem para ensinar-lhes? Quem ficará com Hatsue?
A escrita de Yukio Mishima
O que mais me chamou atenção foi a escrita do autor. Confesso que fazia muito tempo que não pegava um livro com linguagem tão rebuscada. A cada frase tem duas, três palavras que nunca tinha visto. Li o tempo todo com um dicionário do lado. Pesquisei e descobri que o livro foi escrito em 1954, por essa informação já temos uma ideia.
Yukio é muito descritivo. Quando comecei a ler sabia que a história era ambientada numa ilha na costa do Japão. No entanto, o autor faz questão de descrever cada lugarzinho. O santuário. A fonte de água. Os barcos pesqueiros. A tempestade. Os personagens. A vila. Sabe a sensação de estar vivendo cada cena, uma verdadeira imersão na história.
“Shinji pensou: a despeito de todo o sofrimento por que passara, os dois enfim viviam livres dentro dos limites impostos pela moral comunitária, e nunca, jamais, os deuses haviam deixado de protegê-los.”
Outra característica que gostei muito foi o autor trazer fatos históricos como a Guerra na China, Segunda Guerra Mundial, de onde surgiram as lendas do povoado, a origem dos deuses, como funcionam os navios, a economia pesqueira, e os costumes dos ilhéus.
Minhas impressões
De acordo com a sinopse, poderíamos esperar uma versão japonesa de Romeu e Julieta, no entanto Mar inquieto foi muito além, mais profundo e emocionante. Considero Shinji meu personagem favorito. Ético, trabalhador, correto, responsável, e um tantinho tímido. Mesmo assim ganhou meu coração. Yasuo dispensa comentários. Sabemos que todo herói precisa de um vilão, senão a história não evolui concordam?
Hatsue, por outro lado, me lembrou muito eu mesma nessa idade. Amante de cartas, sempre apaixonada, chorosa pelos cantos quando não via o rapazinho, sonhadora, sempre vivendo um amor platônico. Sem imaginar se um dia essa história de amor se tornaria realidade.
Mesmo morando no litoral sei que cada praia é única, tem suas próprias características e poder conhecer o litoral do Japão foi emocionante. Conhecer os pássaros daquela região, os mariscos, entender as estações, as temporadas de pesca, descobrir as conchinhas cor-de-rosa, a religião, os rituais, foi uma experiência indescritível.
Quanto a edição da Companhia das Letras é bem bonita, os detalhes nas letras japonesas dão um toque todo especial. O livro tem menos de 200 páginas, mas é tão envolvente que ao terminar de ler parece que foram 400 páginas. Agradeço à editora por tamanho encantamento.
Agora me conta, qual foi o último livro ambientado no Japão que você leu? Conhece o autor ou já ouviu falar sobre Mar inquieto? Antes de ir deixe um comentário 🙂
Até o próximo post, Érika ♡
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Olá, tudo bem?
Uma das coisas que também me motiva a ler, é esse aprendizado que as obras nos proporcionam. Não conhecia o livro ainda, mas confesso que essa escrita rebuscada me deixa com um pé atrás, mesmo assim desejo conhecer. Esses fatos históricos também são outro ponto que considero importante, pois sempre nos faz aprender coisas que não consideramos antes. Não lembro com precisão a última obra que se passava no Japão que li. Mas essa já vai para a lista, sem dúvida. Arrasou no post!
Beijos!
Oi Erika! Espero que esteja tudo beleza por aí.
Então, esse ano estou separando algumas leituras do Japão pra ler. Pelo menos 2 já foram escolhidas, e uma iniciada: Diário de Um Velho Louco. Divertido… Mas, bastante diferente do que estou acostumada. Só havia lido um do Murakami. Então essa literatura é muito diferente pra mim. Ainda… Porque eu chego lá! hahahaha
Anotando as indicações de quem já fez o trajeto é uma certeza de vida.
Abraços
Olá! Gosto de livros que se passam no Japão, perto de outros países da ásia acho que foi de onde mais li autores. Romances proibidos assim são interessantes de se ler, mesmo que eu não seja muito fã de cartas.
Oie, tudo bem?
Acredita que nunca li um livro ambientado no Japão? Acho que deve ser incrível, principalmente quando traz um pouco da cultura e da história do país. Confesso que esse livro eu ainda não conhecia, mas adorei ver que foi uma experiência tão positiva e que a leitura foi além do que você esperava e te emocionou. Parece ser um livro muito especial mesmo.
Beijos
Eu não conhecia o livro e achei uma das melhores indicações que já li aqui no blog. E fiquei pensando, mais profundo que romeu e Julieta? então deve ser bem intenso. Também gosto quando o livro me força a pesquisar, quer seja no dicionário ou em um livro de história, acredito que leituras que abrem leques de experiências, são desafiadoras e tendem a ser deliciosas
Oi Erika,
eu definitivamente nunca li um livro ambientado no Japão. Minhas leituras dificilmente destoam do óbvio Brasil e EUA. Eu já havia achado seu projeto “a volta ao mundo em oitenta filmes” interessante, e agora lendo o quanto sua experiência com esta história foi incrivelmente enriquecedora, me pergunto se já não está na minha hora de dar oportunidade a livros de outras nacionalidades. Sua descrição de Shinji me ganhou por completo, já estou com o coração quentinho e torcendo muito para que o desfecho dele tenha sido lindo, pessoas boas merecem coisas boas e ao que me parece o Shinji é um personagem maravilhoso que merece só o melhor. Não conhecia o livro, e fico feliz em saber que a CIA das letras publicou ele aqui, porque eu definitivamente me interessei.
Abraços!
Nosso Mundo Literário
Oi,
Eu tambem sou moticado pelas curiosidades e ensinos que a diversidade de leituras nos proporciona, ler, como bem sabemos é viajar sem sair do lugar e policiar, além dos estados unidos os autores, é conhecer novas culturas.
O autor eu já conhecia, inclusive o livro que li dele não me deixou com o mesmo quentinho que você sentiu ao final desse, porque apesar de ter elementos semelhantes de amor e também o mar, nesse que li o final trouxe uma violência que eu não esperava (recomendo ler para descobri). Também achei a escrita dele bonita e já me animei para ler Mar Inquieto também e conhecer o Shinji.
Oi Erika.
Sinceramente não recordo do último livro que li e é ambientado no Japão. Mas pode ter certeza que já anotei sua dica, pois através da sua opinião já mostrou que é uma história emocionante e que vale a pena conferir todos os detalhes com uma cultura diferente da nossa.
Bjos
Oi! Eu adorei a sugestão é bem interessante 🙂 não conhecia o trabalho do autor…
Tão gostoso quando um livro pequeno causa impacto e se revela profundo e bem desenvolvido, né? Adoro.
Gosto muito de livros que apresentam outras culturas como Mar inquieto, que pela sinopse parece ser muito bonito. Lendo sobre o estilo de escrita me lembrei de outro livro japonês chamado Eu sou um gato, embora ele não seja tão rebuscado.
A história é bastante emocionante, ainda não tinha ouvido falar do livro, mas a história agrada muito, Japão é um país incrível, gostei muito de conhecer o livro, bjs.