Os Cem Mil Reinos

Os Cem Mil Reinos, de N. K. Jemisin, vai além de uma fantasia

A mente mortal, tomada pelo conhecimento e poder de um deus, mesmo que por poucos momentos, dificilmente reage bem”. E assim, com esta simples frase, vamos falar de um universo onde deuses são as armas de humanos cruéis e impiedosos: Os Cem Mil Reinos, de N. K. Jemisin.

O livro, publicado pela Galera Record, é o primeiro volume da trilogia Legado, e ainda, o romance de estreia da autora, conhecida por seu incrível talento de criar mundos únicos, criativos e cheios de magia. Mais que uma fantasia, a obra traz uma mistura de romance, mitologia, política e críticas sociais muito bem trabalhadas.

Mas devo dizer que, no início, Os Cem Mil Reinos não foi uma leitura fácil. É um universo complexo e de muitas tramas envolvidas, além das diferentes nações, famílias e linguagens que foram um pouco difíceis de guardar. Meu primeiro pensamento foi que eu me cansaria logo do livro e não iria gostar de lê-lo, mas devo admitir que fui surpreendida.

Este é mais um livro que ganhou um lugar especial no coração, e deve ganhar na sua estante!
Então, vamos juntos conhecer este mundo onde os deuses vivem entre os mortais?

SOBRE A HISTÓRIA

Vamos começar do início…

O mundo, um dia, já foi governado por três grandes deuses: o Senhor da Noite, Nahadoth; o iluminado deus da ordem, Itempas; e a poderosa deusa Enefa, que criou toda a vida mortal e mudou a ordem natural do universo.

Embora o Primeiro Irmão amasse Enefa, do outro lado, Itempas, o Segundo Irmão, enxergava a terceira deusa como uma intrusa. Ele não gostava de mudanças, pois elas podem ser destruidoras, assim como provocam muitas outras. Então, um dia, Itempas assassinou a irmã com veneno do sangue de demônios.

O sombrio Nahadoth, tomado pelo luto e pelo ódio, formou um grupo de deuses, mais tarde conhecido como Os Enefadeh – aqueles que se lembram de Enefa -, para vingar a morte da deusa, dando início à Guerra dos Deuses. No entanto, quem venceu a batalha foi o Segundo Irmão.

Como punição, Itempas aprisionou todos os deuses – inclusive o Senhor da Noite – na cidade chamada Céu, obrigando-os a servir a todos os descendentes de Shahar Arameri (Suma Sacerdotisa de Itempas na época da Guerra).

Desde então, o luminoso deus da ordem passou a ser conhecido como o “Pai do Céu” e o único dos três deuses originais a governar o mundo. O poder de sua Graça e a escravidão dos deuses perdurou por milhares de anos, até que a chegada de uma brava heroína pudesse ser a chave para mudar o destino de todos.

Os Cem Mil Reinos

HERDEIRA ARAMERI

O livro é bem intimista, então acompanhamos em primeira pessoa a história de Yeine Darr, uma pária selvagem de uma nação pobre do Alto Norte chamada Darr. Após um mês da morte de sua mãe, Kinneth Arameri, ela é convocada pelo avô, Lorde Dekarta, para visitar a Casa Arameri – o palácio da família governante – na cidade de Céu, que fica acima das nuvens.

Yeine quer encontrar mais respostas sobre a falecida mãe, que deixou o palácio para viver um romance impróprio com um nobre inferior de Darr e, mais tarde, morreu misteriosamente. Então, ela atende ao pedido do avô e sai do Alto Norte para ir ao palácio.

Para sua surpresa, ao chegar no Céu é revelado que Yeine foi nomeada herdeira de Dekarta Arameri e terá de disputar a sucessão do trono dos Cem Mil Reinos com seus primos distantes, os gêmeos Scimina e Relad. E aqueles que perderem a disputa, morrerão nas mãos do sucessor ou irão se matar.

Era uma batalha violenta a preço de um prêmio que Yeine não almejava receber. Afinal, por que Yeine seria uma das escolhidas para ascender a um trono tão poderoso se ela nem sequer passava uma boa imagem aos Arameri e nem era bem-vinda? As histórias dizem que até mesmo Kinneth Arameri, sua mãe, tentou impedir a chegada de Yeine ao mundo, cruzando as pernas durante o parto.

Então, qual era o papel dela naquele palácio?

“ㅡ Não posso esperar que sua mãe lhe tenha ensinado sobre dever ㅡ Dekarta falou para mim por cima das costas do homem. ㅡ Ela mesma abandonou o dela para brincar com aquele selvagem de palavras doces […]. Quer você morra, quer você viva, é irrelevante. Você é Arameri, e, como todos nós, irá servir.”

N. K. Jemisin

ALIANÇAS E SEGREDOS

Após o encontro com o avô, Yeine deixa de ser vista como uma nobre de Darr para se tornar uma Arameri de sangue-puro. Em seu primeiro dia no palácio, ela é guiada por T’vril, mordomo e sobrinho-neto de Dekarta, até o escriba Viraine para receber o Selo de Sangue, uma marca colocada na testa do membro reconhecido da família governante para garantir a proteção contra os Enefadeh.

Contudo, ela não esperava que poderia encontrá-los apenas ao cruzar os corredores do palácio. E o primeiro que ela encontra é o cruel e sombrio Nahadoth, o Senhor da Noite e a maior arma dos Arameri.

“A lição dos sacerdotes era: cuidado com o Senhor da Noite, pois o prazer dele é a condenação de um mortal”

Embora ele tenha uma presença intimidadora e sua verdadeira forma seja altamente perigosa aos mortais – especialmente aos Arameri -, Nahadoth e outros deuses aprisionados vão procurar se aliar a Yeine nessa disputa pelo trono dos Cem Mil Reinos em troca de algo que pode colocar o destino de todos em jogo, inclusive o dela.

Enquanto tenta sobreviver aos obstáculos que encontra no meio do caminho, com a ajuda dos deuses, ela se aproxima cada vez mais dos segredos perversos da Família Arameri e do que levou à morte de sua mãe, bem como os reais motivos para Kinneth deixar o palácio e a posição de herdeira do trono para trás.

É no palácio que Yeine vai encontrar seu real propósito e entender que as histórias que conhecia vão muito além do romance, do poder e da vingança daqueles que se foram. Há algo dentro dela que pode ser a salvação de uns e condenação de outros.

“Tantas peças se encaixavam. E ainda mais continuavam flutuando, indistintas. Eu sentia o quão perto estava de entender aquilo tudo, mas eu teria tempo o suficiente?”

Os Cem Mil Reinos

UMA HISTÓRIA COMPLEXA, MAS INSTIGANTE

Sabe aquela sensação vazia que fica no peito quando algo muito bom termina? Pois bem, foi assim que me senti quando terminei este Legado.

Os Cem Mil Reinos é uma história que te faz se perguntar a todo momento o que está acontecendo e qual será o fim daquela trama.

Embora o começo do livro tenha sido um pouco maçante por conta dos nomes difíceis de guardar, o desenvolvimento e amadurecimento dos personagens principais, a ambientação rica em detalhes e o desenrolar dos conflitos instiga você a querer ler mais e mais.

Ressalto que o livro traz temas fortes e pesados, como a escravização, o forte apelo sexual que aparece em vários momentos ao longo do livro e o desgaste físico e mental dos personagens, principalmente de Yeine, que é tão bem descrito que é possível sentir o desconforto.

Além disso, outro tema que percebi estar muito presente na história é a relação materna. Uma das principais motivações para Yeine continuar disputando pela sucessão do trono é o passado de sua mãe; um dos deuses aprisionados, Sieh – o deus da trapaça com a aparência de uma criança -, mostrava uma proximidade especial por Yeine, pois sempre queria abraçá-la, estar por perto e receber o seu carinho como uma mãe que acolhe o seu filho.

“Aos olhos de uma criança, uma mãe é uma deusa. Ela pode ser gloriosa ou terrível, benevolente ou cheia de ira, mas ela é amada de qualquer forma. Tenho a convicção de que é o maior poder do universo.”

Por fim, a escrita da autora é imersiva e gostosa de se ler, e a tradução da Ana Cristina Rodrigues conseguiu trazer essa mesma profundidade, assim como a ilustração magnífica de Douglas Lopes, que trouxe toda a essência da história, da personagem e da majestosa cidade Céu na nova capa.

SOBRE A AUTORA

N. K. Jemisin, ganhadora dos Prêmios Locus e Nebula, é considerada referência nos gêneros ficção científica e fantasia da atualidade. Seus livros trazem temas relevantes sobre violência, racismo, opressão e diferenças culturais. Além da trilogia Legado, a autora também escreveu A Quinta Estação, Nós Somos a Cidade, O Céu é Pedra, entre outras obras do mesmo gênero.

A Galera Record já anunciou a pré-venda de Os Reinos Partidos, segundo volume da trilogia, e não tenho palavras para descrever o quão curiosa estou para saber o que virá neste novo Legado.

Diz aí, já conhecia a autora ou leu alguma de suas obras?

FICHA TÉCNICA

Título: Os Cem Mil Reinos
Autora: N. K. Jemisin
Editora: Galera Record
Gênero: Fantasia | Ficção
Páginas: 376

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26 Comentários

  1. Olá Amanda,
    eu já havia visto esse livro por ai, mas confesso que tinha achado a capa muito feia e por isso sequer tinha me dado ao trabalho de ler a sinpse, foi só depois do lançamento do segundo livro (com uma capa belíssima diga-se de passagem) que voltei meus olhos pra essa trilogia, e mesmo assim ainda não havia lido uma resenha tão completa como a sua. Suas impressões me permitiram mergulhar fundo nesta história e aguçou ainda mais meu interesse. Vou esperar uma promoção bacana e finalmente dar uma chance a essa trama singular e repleta de acontecimentos.

    Abraços!

    1. Oiê, Delmara!

      Fico feliz que pela resenha vc tenha se interessado pelo livro. Dê uma segunda chance a ele; se você curte fantasia e mundos mágicos, tenho certeza que não vai se arrepender de lê-lo, até pq “Os Cem Mil Reinos” vai bem além disso 👀

      Sobre as capas dos livros, tanto do primeiro volume quanto do segundo, sou suspeita pra falar. Me apaixonei pelas duas hahaha

      Abraços 😊

  2. Oi Érica!
    Sou vidrada em mitologia e deuses, achei interessante a proposta do livro e com isso minha curiosidade aguçou em relação ao aprisionamento de outros deuses assim como ao nascer de uma guerreira que poderá mudar a situação de tudo. Adoro mundos diferentes e como é contado as vezes em detalhes todo o ambiente, parabéns pela resenha já estou procurando essa trilogia para ler, bjs!

    1. Se me perguntassem “o que eu faria diante de um deus”, eu certamente responderia que nunca ousaria desafiá-lo. Oras… É um deus!

      Quando li a sinopse do livro e vi que deuses são as armas dos humanos, já fiquei super curiosa pra saber o que levou à escravidão deles. É demais, assim como as críticas sociais minuciosamente descritos ali na trama.

      É um livro e tanto e também já quero o próximo legado da trilogia 👀

  3. Oi Erika !

    Estou conhecendo este livro através da sua resenha e acho que ele vai ser uma leitura bem interesse para eu retornar as leituras do gênero. Atualmente não tenho lido nenhum livro de fantasia. Na verdade minha lista de desejados está aumentando por causa dos temas fortes que tem mencionado. Valeu pela dica, espero que a história consiga me surpreender porque a capa já conquistou.

    Bjos

    1. Fazia tempo que não lia um livro de fantasia. Talvez seja por isso que fiquei tão confusa no início 🤔

      Os Cem Mil Reinos é surpreendente por vários motivos, tanto pela experiência ao ler como pela maneira que os temas são trabalhados. E o que dizer da capa? Linda demais! ❤️

    1. Te garanto é que a história vai chamar sua atenção tanto quanto a capa, que não tenho nem palavras pro quão incrível ela é 👀🥰

    1. É aquilo: “não julgue o livro pela capa”, mas como não falar dessa linda ilustração, né? Ela é maravilhosa e tem tudo o que o livro passa!

  4. Hey, Erika! Tudo bem?
    Confesso que tenho certa dificuldade em escrever e em ler resenhas de fantasia e sci-fi. São criações fantásticas, reinos inimagináveis, personagens inenarráveis… Acho que as vezes minha mente entra em parafuso em imaginar todos esses universos.
    Mas a trama parece ser fantástica. Incrível como, mesmo com tanto o que se falar, você consegue se explicar sem se perder!
    Preciso de umas aulas. hahahaha
    Abração

    1. Com tantos nomes, nações e linguagens originais, é difícil a mente não entrar em parafuso hahaha, mas é assim mesmo. A obra é fantástica do início ao fim!

  5. Geralmente os livros quando têm muitas tramas envolvidas, tomam mais de minha atenção e tempo, mas isso não é ruim, porque quando bem construído acaba por ser das melhores leituras. Imagina, senti o desconforto tal qual o próprio personagem, acho fantástico.

    1. Realmente, os melhores livros são aqueles que vc consegue sentir tudo o que o personagem sente, de tão bem escrito

    1. Também adoro livros que trazem essa temática, principalmente quando são bem escritos e não viajam muito. Os Cem Mil Reinos é um dos livros de fantasia que mais me cativou 🥰

  6. Nossa, realmente é um livro confuso, especialmente por trazer muitos personagens com nomes complicados. Mas que bom que, apesar disso, foi uma leitura interessante e surpreendente. Eu não sei se ficaria bem lendo a trama, por conta do apelo sexual e outros temas mais tensos, mas ainda assim, parece uma boa leitura.
    Bjks!

    Mundinho da Hanna

    1. No início pode ser um pouco confuso mesmo, mas logo vc pega a história e faz até teorias hahaha. Os temas são fortes – de fato -, mas é por causa deles e das críticas em cima que tornam o livro fantástico.

  7. Oi, Erika. Nossa, faz tempo que não leio uma boa Fantasia. Acho que esse livro vai me surpreender. Fiquei curiosa em ver como a questão de escravidão foi trabalhada na trama. Uma amiga me falou desse livro super empolgada. Espero ter a chance de ler.
    Tschuss

    1. Todos os temas que o livro traz são muito bem trabalhados, principalmente a escravidão. Esse foi um dos motivos que Os Cem Mil Reinos me ganhou e também surpreendeu 👀

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